Pedro e Inês em Alcobaça

A história não é a mais velha do mundo, mas é das mais belas do mundo: amor secreto, casamento proibido e sanção capital. É a história do Infante Pedro, filho do Rei D. Afonso IV e de Inês, a Castro, galega de origem, coroada rainha de Portugal depois de morta. O maior vestígio desta trágica história medieval portuguesa é o mosteiro de Alcobaça, que o infante, já depois de coroado rei D. Pedro I, escolheu para sepulcro de ambos. Ela tinha morrido às mãos dos esbirros do pai do seu amado. Ele, após a morte dela, coroou-a rainha e mandou que os seus restos fossem trasladados para Alcobaça.
Nos monumentais túmulos, mandados construir pelo rei, góticos exuberantes, sem perder a dimensão humana, encontrou o viajante gratificação para este desvio por terras do Oeste de Portugal.
Mas outras encontrou também. Este Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça está entre os maiores monumentos religiosos portugueses e é, porventura, o mais simbolicamente associado à história nacional. O rival Mosteiro da Batalha ficou umbilicalmente ligado à dinastia de Avis e o Convento de Mafra foi um produto do século dourado, pago com o ouro brasileiro. O Mosteiro de Alcobaça, pelo contrário, ficou ligado a toda a história nacional. Foi construído durante a primeira dinastia, por impulso dos reis Sancho II e Afonso III, em terrenos doados à Ordem Beneditina de Cister pelo rei D.Afonso Henriques (que tentou por esta via, como tentou por várias outras, convencer o papado a reconhecer o reino de Portugal). Depois, D.Dinis pagou a construção do claustro monumental que ainda tem o seu nome. É o chamado claustro do silêncio, que aliás impressionou o viajante, pela sua perfeição: gótico austero, do início, sem a exuberância do flamejante. No seu tempo, por aqui deambulavam os beneditinos tonsurados, em oração silenciosa. Estavam proibidos de qualquer palavra, pelo voto de silêncio. Menos silêncio tem o lugar hoje. Em tempo de Semana Santa, encontrou o viajante o mosteiro muito frequentado por turistas e outros visitantes, sobretudo os ruidosos vizinhos espanhóis, sempre muito abundantes nesta época festiva.
Mas muito depois de D.Dinis, o mosteiro manteve grandes ligações com a Casa Real. No tempo de D. Manuel os seus filhos chegaram a ser Abades do Mosteiro (primeiro D. Afonso, depois D. Henrique, o que mais tarde foi Cardeal Rei). Mais de dois séculos depois, D, Maria I inaugurou o Panteão Real, onde ainda hoje estão as sepulturas de alguns membros da Casa Real da Iª Dinastia. Um pouco por todo o lado é possível ver ícones da casa real. Este é, aliás, o único panteão real que o viajante conhece, para além do modesto e sombrio panteão real, escondido no mosteiro de São Vicente de Fora.
No resto do conjunto, apreciou o viajante o austero gótico e, nalguns casos, a evolução mais recente para o manuelino. Não ficou indiferente à solene sala do capítulo (assim chamada por aqui ouvirem, os monges, todos os dias, uma leitura de um capítulo da vida de São Bento), ou à magnífica cozinha, ou ao dormitório dos monges.Mas o viajante também recolheu boa impressão da sóbriíssima igreja do mosteiro. Irrepreensível gótico do inicial. Altas colunas e perfeitos arcos quebrados, suportando abóbadas altivas. Três naves, cortadas por um transepto em cruz, encimado por um pequeno deambulatório, de capelas hoje vazias, depois da desgraça do Matafrades. Diz-se que esta é a maior igreja de Portugal.
E no meio da cruz gótica, ladeando o altar mor, os ditos túmulos, de Pedro e Inês – ou deveria dizer-se de Inês e Pedro -, um em frente do outro, para que possam encontrar-se logo, no primeiro momento que se seguir ao juízo final, quando ambos ressuscitaram dos mortos para a vida eterna.

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