Cairo, Egipto

Sabia o viajante que a capital do Egipto (e também a maior cidade de África, o mais importante centro islâmico do mundo e a sede da Liga Árabe) é uma megalópole imensamente poluída com perto de vinte milhões de habitantes. Como bem refere algum dos guias da cidade, o Cairo é uma cidade inacabada e inacabável. É inacabada porque, tendo origem no primeiro milénio da nossa era, o que hoje se visita é produto de muitas e diversificadas épocas históricas, que deram à cidade um estatuto de permanente evolução, saltitando entre dominador e dominador. É inacabável porque o êxodo do mundo rural para o centro urbano a tornou imensa e descontrolada. Boa parte da cidade é feita de edifícios construídos com tijolos ainda não revestidos – as construções estão ainda por acabar e nunca acabarão de ser construídas. E são às centenas de milhares os edifícios assim.
Nas zonas que o urbanismo ainda conseguiu gerir as avenidas são larguíssimas e compridíssimas, percorrendo bairros e bairros, que ultrapassam por via de viadutos urbanos, debaixo dos quais se organizam paragens de autocarros, mercados ou apenas parques de estacionamento. Na zona da mesquita e madraça de Al-Azahar e do célebre mercado Khan Al-Khalili, há uma avenida elevada por cima de outra. Numa e noutra o trânsito é caótico. As habituais linhas pintadas no chão, para delimitar as faixas de rodagem, são meramente indicativas, referências opcionais. Formam-se habitualmente muito mais filas de trânsito do que as faixas previstas. A condução é alucinada e arriscada – recorda em particular o viajante uma corrida de táxi, que mais pareceu um jogo de playstation: ultrapassagens, curvas, guinadas, golpes de volante e outras peripécias. É verdade que nas ruas do Cairo haverá, talvez, pelo menos meia dúzia de semáforos. Porém, embora funcionem, ninguém os respeita: têm que ser os polícias de trânsito a regular o fluxo do tráfego. Também não há passadeiras para peões. Atravessar uma avenida larga é sempre uma aventura arriscada e arrojada. Incrivelmente, há poucos acidentes.
Uma das memórias mais fortes que o viajante guarda desta cidade é a do som dos altifalantes dos muezzin, no topo dos minaretes das mesquitas, chamando para a oração por várias vezes ao dia. À hora da prece, das centenas de mesquitas do centro do Cairo sentem-se chamadas, que se sobrepõem uma às outras, atropelando-se e confundindo-se, numa desordenada sinfonia de vozes que ecoam, vindas de todos os quadrantes. Outra das incontornáveis memórias sonoras do Cairo é a do incansável e infindável som de bep-bep, das buzinas de todos os automóveis que circulam. Para os motoristas do Cairo, conduzir significa abrir caminho numa enchente de automóveis, a toques de buzina. Não são toques prolongados e mal dispostos de protestos, como se ouvem noutros países mediterrânicos: são antes pequenos e infindáveis toques repetidos de buzina, para alertar os restantes condutores.
Mesmo pertencendo a África, o Cairo não esconde a sua preferida vertente mediterrânica. Aliás, sofreu ao longo da história invasões de povos de todo o Mediterrâneo e também do Próximo Oriente. Ainda agora sofre pequenas invasões de turistas, em muito menor número do que noutros tempos, pelo receio das ameaças terroristas que vão pairando sobre um país muçulmano moderado, que não acolhe nem apoia extremistas. Para além dos turistas, o país e, em particular a capital, são o destino do mais variado tipo de pessoas: para aqui convergem muçulmanos de todo o mundo, mas também cristãos, da comunidade copta, que congrega um décimo da população do país. A predominância muçulmana não esconde a variedade de culturas que, como sempre aconteceu na história do Egipto, ainda actualmente por aqui se cruzam.
Há visitas imprescindíveis na cidade. O melhor panorama que sobre ela se obtém é o da Cidadela. A Cidadela é um recinto amuralhado, onde foram construídas várias mesquitas. Além disso, alberga quatro pequenos museus. Vale mais a paisagem do que a evocação histórica, nesta fortificação construída pelo mítico general sírio Salah ad-Din al-Ayyubi, conhecido na margem norte do Mediterrâneo como Saladino e famoso por ter derrotado os Cruzados, expulsando-os de Jerusalém, no século XII. A Cidadela é uma visita incontornável, sobretudo ao cair da tarde. Mais tarde, ainda, é a altura certa para visitar o bazar Khan Al-Khalili, com as suas ruas estreitas cheias de vendedores que insistem em chamar os turistas. Não menos turistas se encontram no Museu Egípcio do Cairo, um outro dos locais mais interessantes: nele se podem ver peças que se conhecem desde os livros da escola secundária. Por último, feita a ronda das mesquitas, quanto a património, está o Cairo visto na sua essência.

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