Os céus da África Oriental

Por vezes, sem contar, tem o viajante anotado do melhor que tem vivido por esse mundo fora.
Já tem o viajante umas horitas de voo na sua conta. Mais do que quereria, mas menos do que gostava. Nesta presunção (da tal que se toma como água benta), vai afirmar que fez uma das mais fantásticas viagens de avião que poderão fazer-se. Calhou ter que voar, quase um dia inteiro, através do leste do continente africano, num percurso que ligava a Ilha Maurício a Londres. Ao contrário do que é usual neste tipo de voos, foi diurno e por isso propiciou uma fantástica visita aérea ao Quénia, à Etiópia, ao Sudão e à Líbia.
Depois das águas verde-esmeralda que rodeiam a Ilha Maurício e dos territórios secos, de vegetação rasteira, do norte de Madagáscar, pode o viajante avistar as ilhas costeiras próximas a Mombaça. Zanzibar está mais ao sul, mas Pemba é bem visível desde o ar, com a sua barreira de coral e praias de areia branca. Mombaça é o centro de um enorme estuário, de águas escuras. É impossível, a este propósito, esquecer Vasco da Gama, que aqui passou em 1498, na rota para Calecut. De Mombaça era o piloto árabe que o guiou à Índia.
Seguiu-se território queniano, de estepe massai – terra vermelha fogo, pontilhada pelos arbustos da savana. Aqui não se avistam traços de povoação e os únicos sinais dissonantes da desolação são as manchas verdes dos córregos que levam água na estação das chuvas.
Pouco depois, aguardava o viajante, lá ao longe, nos limites do Quénia e da Tanzânia, a cereja no cimo do bolo de África: embora enevoado, o Kilimanjaro deixava-se ver, com o topo muito menos nevado do que é habitual ver-se nas fotografias.
As proximidades de Nairobi revelam povoação. Em regra, pequenos povoados e aldeias pobres, de casas com telhados de folhas de zinco. Nairobi, por seu lado, vista do ar, revela-se uma cidade muito dispersa, com subúrbios imensos e espalhados pelo campo.
A norte, avista-se uma das pontas da enorme depressão do Rift, por aqui menos rica em achados que mais a sul, na Tanzânia, mas ainda assim impressionante. Lá para trás ficou já o Lago Vitória, pouco mais que uma miragem no fundo do horizonte. Rumo ao Mediterrâneo, vai escasseando a povoação.
Depois, desaparecem de todo os vestígios de povoados e passam a dominar o relevo as montanhas da Etiópia, que se compreende ser uma nação de pastores. São montanhas escarpadas e florestadas, sem pinta de presença humana. Mas, pouco depois, a rota passa às planuras do sul do Sudão. Por aqui, no primeiro troço do Nilo, a terra começa a ficar mais seca. Ainda é possível ver aldeias de palhotas. Muitas aldeias de palhotas, agrupadas de forma desorganizada mas coesa, na planura seca e quente. Delas partem caminhos em todas as direcções, embora por todo o lado haja secura. E piora com o avanço para norte. No vale do Nilo Superior não há árvores e, consoante se avança, deixa gradualmente de ver-se tanto mato rasteiro, que acaba por desaparecer de todo. Nas planuras entre Cartum e as montanhas de Darfur avista-se finalmente o deserto.
No início, este deserto manifesta-se pela terra nua e pelas pedras. Depois, chegam mesmo as dunas, a anunciar o Deserto da Líbia. Do terreno vem a cor quente da areia, por vezes ocre, noutros casos mais escura. Sensação de imenso calor. Lá em baixo, como nos filmes, a magia das dunas. E montanhas isoladas, rodeadas de deserto. E ainda, de vez em quando, uma daquelas obras megalómanas que o regime de Khadafi construía no deserto, há 20 anos: plantações agrícolas nas areias, com água trazida à distância.
No deserto, o ar não é límpido e isso prejudica a vista. E assim será até ao Mediterrâneo, onde termina, no golfo de Bengazi.

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