Buenos Aires
Dizem
os guias que Buenos Aires é a mais europeia cidade da América do Sul: tem uma
geometria urbana estudada e cuidada, monumentos e ostenta uma herança patrimonial
consistente. No fundo, cultiva o seu aspecto elegante, quase de parisiense do
sul, com glamour, livrarias e muitas salas de espectáculos. E não é por acaso,
já que com este propósito foi remodelada a partir do final do século XIX.
Além dos clichés, das avenidas traçadas à imagem dos boulevards parisienses, dos cafés nas esquinas, hoje em dia remoçados e convertidos em modernos lounge bar, achou também o viajante graça às pequenas lojas de bairro de nova geração, de design, de vinhos ou de antiguidades. Nessa medida, Buenos Aires é uma cidade muito interessante.
A origem de Maradona, o bairro de La Boca, é uma antiga zona portuária, onde tradicionalmente vivem muitos emigrantes e descendentes de emigrantes, sobretudo italianos (genoveses, em particular). Nos dias de hoje continua a ser um bairro pobre e degradado. É excepção a zona conhecida como El Caminito, que explora-se essa vertente, de bairro marginal e viu instalar lojas de artesanato e restaurantes para turistas, que podem até incluir animação por pares a dançar tango.
São em geral casas de madeira e de chapa ondulada – é portanto verdadeiramente um bairro de lata. Desde o início do século XX estas casas passaram a ser pintadas de cores muito garridas, em pequenas parcelas, misturadas. A ideia veio de alguns moradores, que pediam aos pintores dos barcos que aqui aportavam os restos das tintas com que pintavam os ditos.
Do bairro, ficou na mente do viajante uma sensação mista e confusa, que oscila entre a genuinidade do espírito dos habitantes com o kitsch da montagem urbana para turistas. Nessa medida, foi até um pouco desilusão.
Conceptualmente no hemisfério oposto, fica Puerto Madero, o mais recente bairro de Buenos Aires, que é também o mais cosmopolita e opulento. Foi construído desde há duas décadas e pretende ser um modelo de modernidade, com poucos carros a circular, sem poluição ou ruído, planificação rigorosa, de modo a assegurar harmonia, conforto e funcionalidade. Este bairro é o renascimento das cinzas de um outro, com origem no século XIX, altura em que Eduardo Madero projectou um caríssimo porto marítimo, que demorou mais de 20 anos a construir – de tal forma que quando ficou pronto, já era obsoleto. Apesar disso, chegou a ser o porto mais importante da Argentina, mas acabou por cair em desuso, por ficar antiquando. Foi abandonado e degradou-se.
Na recuperação empreendida a partir da década de 1990 mantiveram-se muitos dos edifícios antigos, em particular os antigos armazéns, agora ocupados por lofts, escritórios ou restaurantes. Puerto Madero é, talvez, a zona mais chique da cidade para jantar. A mais cara é, concerteza.
Foi aqui construída, segundo desenho de Santiago Calatrava, a pedido de um empresário local, que a doou à cidade, uma moderna ponte, a que foi dado o nome de Puente de la Mujer. Este moderno símbolo de Buenos Aires é uma ponte pedonal, que atravessa a doca – é também giratória, de forma a permitir a passagem de embarcações grandes. O seu nome resultou da zona onde foi construída, já que a todas as ruas desta parte do bairro foram dados nomes de grandes senhoras da história argentina.
Mas Buenos Aires é também a cidade de Jorge Luís Borges, que aqui nasceu em 1899 e cujo espírito se sente no ar – e em particular no ambiente de alguns cafés mais clássicos. Sentiu-o bem o viajante no ambiente de espelhos e colunas douradas do Café Tortoni, na Avenida de Mayo, que já comemorou 150 anos. Mas é também uma megalópole de mais de 13 milhões de habitantes – a grande Buenos Aires, porque o centro não tem mais que 3 milhões e é uma cidade muito amigável.
Além dos clichés, das avenidas traçadas à imagem dos boulevards parisienses, dos cafés nas esquinas, hoje em dia remoçados e convertidos em modernos lounge bar, achou também o viajante graça às pequenas lojas de bairro de nova geração, de design, de vinhos ou de antiguidades. Nessa medida, Buenos Aires é uma cidade muito interessante.
Porém,
apesar desta estrutura física europeia, a verdade é que a sua alma é bem latina
e do sul: nas ruas circulam autocarros coloridos exuberantes, cada um de sua
cor; em geral, as lojas são abertas para a rua. Os argentinos – e em particular
os porteños, habitantes de Buenos Aires -, gostam de se arranjar bem e andam
impecavelmente vestidos. São exuberantes e comunicativos e gostam de almoçar
fora e de beber copos em locais distintos. E essa imagem dos seus habitantes (até
quase um pouco presunçosa) marca muito a cidade.
Mafalda, a menininha inteligente criada por Quino, paira
por aqui, muito preocupada e até mesmo um pouco deprimida. Com o seu espírito crítico,
bem pode estar a participar numa das várias manifestações que ocorrem
diariamente. Na verdade, a consciência cívica dos porteños, gente informada e inconformada,
tornou as manifestações políticas em episódios do quotidiano: podem ser
motivadas por questões particulares, como pensões de reforma, ou mais gerais,
como o estatuto político das ilhas Malvinas, ou ainda por motivos globais, como
a situação na Palestina. Mafalda encarna bem o espírito argentino em geral, de
sentimentalismo polémico, vocacionado para o protesto vivo e apaixonado. Talvez
por isso a cidade lhe deixou uma pequena estátua, na modesta esquina das ruas
Defensa e Chile, no bairro de San Telmo
Bem
se percebe que, neste contexto de espírito empolgado e apaixonado, por aqui
tenha nascido o tango, na década de 1930. Ou talvez um pouco antes. Também este
tema é polémico: os bairros de San Telmo e de La Boca reclamam ambos ser o
berço desta selvagem dança sensual, que deixou há muito de pertencer à cidade e
escalou o planeta.
Foi
também de La Boca que partiu para o mundo El Pibe, o fabuloso Diego Armando
Maradona, o menino pobre e prodígio, que deu origem a uma das muitas quedas de
anjos de que a história argentina é rica.A origem de Maradona, o bairro de La Boca, é uma antiga zona portuária, onde tradicionalmente vivem muitos emigrantes e descendentes de emigrantes, sobretudo italianos (genoveses, em particular). Nos dias de hoje continua a ser um bairro pobre e degradado. É excepção a zona conhecida como El Caminito, que explora-se essa vertente, de bairro marginal e viu instalar lojas de artesanato e restaurantes para turistas, que podem até incluir animação por pares a dançar tango.
São em geral casas de madeira e de chapa ondulada – é portanto verdadeiramente um bairro de lata. Desde o início do século XX estas casas passaram a ser pintadas de cores muito garridas, em pequenas parcelas, misturadas. A ideia veio de alguns moradores, que pediam aos pintores dos barcos que aqui aportavam os restos das tintas com que pintavam os ditos.
Do bairro, ficou na mente do viajante uma sensação mista e confusa, que oscila entre a genuinidade do espírito dos habitantes com o kitsch da montagem urbana para turistas. Nessa medida, foi até um pouco desilusão.
Conceptualmente no hemisfério oposto, fica Puerto Madero, o mais recente bairro de Buenos Aires, que é também o mais cosmopolita e opulento. Foi construído desde há duas décadas e pretende ser um modelo de modernidade, com poucos carros a circular, sem poluição ou ruído, planificação rigorosa, de modo a assegurar harmonia, conforto e funcionalidade. Este bairro é o renascimento das cinzas de um outro, com origem no século XIX, altura em que Eduardo Madero projectou um caríssimo porto marítimo, que demorou mais de 20 anos a construir – de tal forma que quando ficou pronto, já era obsoleto. Apesar disso, chegou a ser o porto mais importante da Argentina, mas acabou por cair em desuso, por ficar antiquando. Foi abandonado e degradou-se.
Na recuperação empreendida a partir da década de 1990 mantiveram-se muitos dos edifícios antigos, em particular os antigos armazéns, agora ocupados por lofts, escritórios ou restaurantes. Puerto Madero é, talvez, a zona mais chique da cidade para jantar. A mais cara é, concerteza.
Foi aqui construída, segundo desenho de Santiago Calatrava, a pedido de um empresário local, que a doou à cidade, uma moderna ponte, a que foi dado o nome de Puente de la Mujer. Este moderno símbolo de Buenos Aires é uma ponte pedonal, que atravessa a doca – é também giratória, de forma a permitir a passagem de embarcações grandes. O seu nome resultou da zona onde foi construída, já que a todas as ruas desta parte do bairro foram dados nomes de grandes senhoras da história argentina.
Mas Buenos Aires é também a cidade de Jorge Luís Borges, que aqui nasceu em 1899 e cujo espírito se sente no ar – e em particular no ambiente de alguns cafés mais clássicos. Sentiu-o bem o viajante no ambiente de espelhos e colunas douradas do Café Tortoni, na Avenida de Mayo, que já comemorou 150 anos. Mas é também uma megalópole de mais de 13 milhões de habitantes – a grande Buenos Aires, porque o centro não tem mais que 3 milhões e é uma cidade muito amigável.
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