Salvador da Bahia, Brasil

  Não costuma o viajante optar por clichés, mas desta vez sentiu algum apelo quando teve oportunidade de visitar Salvador. Bem sabia que esta cidade, de talvez três milhões de almas é, actualmente, um dos principais destinos turísticos do Brasil. As vagas de turistas vêm, antes de mais, à procura das excelentes praias (vem logo à memória Itapuã, que inspirou Vinicius e foi cantada por Toquinho e Djavan). Mas também dos monumentos históricos interessantíssimos e das manifestações culturais variadas. E depois, claro, para compor o cliché, das figuras típicas das enormes e pesadas bahianas, cuja imagem decorava os pacotes de uma marca qualquer de café, daquelas que já não há.
Para lá dos clichés, encontrou o viajante em Salvador a cidade de um povo alegre, que organiza um carnaval rival do carioca. E criativo, também. Por aqui, na enormíssima tradição musical da Bahia, passam as raízes da música popular brasileira, entre muitas outras sub-culturas do Brasil moderno. Aqui nasceram Caetano Veloso, Maria Bethania e Gilberto Gil. Mas esta é também a pátria das religiões mistas, como por exemplo o condomblé, de contornos iconográficos cristãos mas de raiz africana, que fez dos orixás a sua divindade.
  Percebe-se bem, na rua, este caldo de cultura, produto da miscigenação de raças, entre os portugueses colonizadores, os escravos africanos, chegados a partir de meados do século XVI e os nativos brasileiros. Quando Pedro Alvares Cabral, em 1500, descobriu o Brasil, aportou na costa da Bahia (em Porto Seguro, a sul de Salvador). Mas a baía de Todos os Santos, onde fica Salvador, foi descoberta por Américo Vespúcio, em 1501. A cidade viria a ser fundada em 1549, na altura com o nome de São Salvador da Baía. Foi capital do Brasil até 1763, altura em que a capital foi transferida para o Rio de Janeiro. Jorge Amado dizia que aqui está a origem do Brasil, porque tudo começou na Bahia: ”foi aqui que as raças se encontraram e se misturaram. Depois, esta mesma receita estendeu-se a todo o país”. E acrescenta que “foi aqui que começou a alegria brasileira, porque África salvou os brasileiros da tristeza do fado”. Do fado português, anota o viajante.
  O fado português é, porém, para orgulho do viajante, a grande marca do bairro mais emblemático de Salvador. O Pelourinho, zona alta, na colina sobranceira à baía (que deu o nome à Bahia), de construção antiga e edifícios bem recuperados, é o centro da cidade – foi aqui que teve origem, como mercado de escravos. É património mundial, decretado pela UNESCO em 1984. Hoje em dia, os edifícios, iguais aos que poderia haver em Portugal, são ocupados por hotéis, lojas de artesanato ou de artigos de design e ainda por associações culturais. É por aqui que ensaiam as bandas tradicionais bahianas (entre elas, o Olodum). Também foi aqui que nasceu a capoeira, no século XVI, desenvolvida por escravos negros.
Esta zona urbana de casas baixas, com fachadas de cores pastel, em ruas de empedrado grosso, que do lado de cá do mar se chama calçada portuguesa, inclui muitas casas senhoriais dos séculos XVII e XVIII, tempo de domínio português. É igualmente desse tempo a Basílica da Sé, construída à portuguesa, em mármore branco e a magnífica igreja barroca do convento de São Francisco, com rico interior, profusamente decorado com azulejos e talha dourada. Diz-se que foram usados mais de mil quilos de ouro para a revestir. Esta igreja é considerada o expoente máximo do barroco brasileiro.
Com o devido respeito por Amado, poderá ter-se finado por aqui o fado, mas se finou o orgulho do viajante, ao ver o destaque que merecem estas imensas obras lusitanas, tão longe de casa.

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