Ushuaia, Terra do Fogo

  O nome e o lugar são míticos para qualquer viajante. Conhece-se como uma referência de sempre e sonha-se com a jornada até lá. Fica na extremidade sul do continente americano e tem-se promovido por isso mesmo: assume o título de fim do mundo, de limite último para todas as viagens. Para lá de Ushuaia não há mais estradas que possam percorrer-se, nem aviões ou aeroportos, nem cidades. Por isso, esta cidade argentina da Terra do Fogo arroga-se o título de cidade mais austral do mundo.
  Aqui chega ao mar, finalmente, a longuíssima cordilheira dos Andes, que vem lá de longe, de ainda mais longe que o equador. Geográfica e geologicamente, a Terra do Fogo é um arquipélago, separado do resto da América do Sul pelo Estreito de Magalhães – Fernão de Magalhães, o português nascido em Sabrosa, Trás-os-Montes, descobriu esta passagem do Atlântico para o Pacífico em 1520, evitando assim passar pelas águas revoltosas e perigosíssimas do Cabo Horn. Terá sido o próprio Magalhães a baptizar estas ilhas e diz-se que lhe chamou Terra do Fogo por ter avistado muitas fogueiras ao longo da costa. Julga-se que seriam fogueiras acesas por tribos indígenas, para comunicar. A sul do estreito, separadas pelo Canal Beagle, ficam as outras ilhas do arquipélago, mais pequenas. Apenas 1000 quilómetros ao sul, fica a Antárctida.
  Ushuaia é a maior povoação da Terra do Fogo (terá cerca de 60 mil habitantes). É também a capital da parte argentina da ilha principal (que está dividida ao meio, entre o Chile, que ficou com a parte oeste e a Argentina, que domina o leste). No idioma yámana, usado pelos nativos, actualmente extintos, “us” significava ao fundo e “uaia” baía. Ushuaia fica de facto no fundo de uma baía.
O seu isolamento levou a que fossem para aqui foram trazidos, durante o século XIX, os prisioneiros mais indesejáveis do governo de Buenos Aires -  a origem da cidade foi uma colónia penal, fundada em 1884, cuja criação se destinou a impulsionar o povoamento desta parte argentina da Terra do Fogo. Existiu mesmo aqui uma prisão, entre 1902 e 1947, destinada a reclusos perigosos.
  Chegou o viajante a Ushuaia de avião. A descida para o aeroporto é das mais espectaculares que tem vivido, acompanhando de muito perto a descida da ponta final dos Andes, que aqui morrem no mar. Recordou então o viajante St-Exupery, que bem conheceu estas “arestas verticais, que as asas roçam a seis mil metros de altitude, e mantos de pedra, cortados a pique, e uma extraordinária e imensa tranquilidade”.
  Em frente a Ushuaia fica o Canal Beagle. É um estreito, que deve o nome a um navio de exploração britânico que por aqui navegou no século XIX (o HMS Beagle, comandado pelo inglês Robert Fitz Roy - a bordo, vinha também o então jovem de 23 anos Charles Darwin). Tem 250 km de comprimento e 5 de largura, na zona mais estreita.
Da cidade, que apenas tocou de passagem, guarda precisamente o viajante na memória a intensidade e a cor do pôr-do-sol no Canal Beagle. Aqui, o sol não parece pôr-se: desaparece mesmo, lá para o sudoeste, nas águas geladas do fim do mundo.

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